29 de novembro de 2008

Vale do Itajaí, enchentes e o seu passado

Reportagem interessante de Ricardo Moreira de Mesquita para a Folha sobre os alagamentos na região do Vale:

No século 19, enchentes já faziam parte do cotidiano
Ricardo Moreira de Mesquita
ESPECIAL PARA A FOLHA 

AS ENCHENTES em Santa Catarina são históricas, mas precisam deixar de ser. Não existem méritos quando a ocupação humana desordenada favorece fenômenos naturais que ceifam vidas.
A morfologia geológica que favoreceu a colonização do Estado e a pluralidade étnica peculiar também facilitam a ocorrência de enchentes registradas por viajantes e exploradores. No século 19, nas falas e relatórios dos presidentes da Província de Santa Catarina, dirigidos à Assembléia Provincial e enviados à administração real, na cidade do Rio de Janeiro, observa-se que as enchentes já faziam parte do cotidiano.
Nesses documentos estão os registros das atividades de governo, em que relatam a situação das finanças públicas, obras provinciais, socorros à saúde e tranqüilidade pública.
Não foram poucos os que também deixaram sugestões para combatê-las. O presidente João Carlos Pardal, em 1838, informava da necessidade de mudança no traçado da estrada para Lages, onde o rio Braço do Norte, no sul do Estado, subia o seu leito e avançava 44 metros além das margens, a cada enchente. Em Porto Belo, já haviam mudado o trajeto da estrada, cansados de reconstruir as pontes em razão das cheias.
Fixar-se às margens dos rios é uma opção do homem desde remotos tempos, pela fertilidade das terras e garantia de alimentação, a luta pela sobrevivência. Em Santa Catarina, a colonização não foi diferente de outras sociedades de regadio -Egito, Mesopotâmia, Delta do Ganges e rio Amarelo. A serra Geral, com seus contrafortes, limita o planalto ocidental da planície litorânea, recortada em belas praias, promontórios e pelos rios que nela nascem e se fazem ao mar.
Muitos outros relatos sobre tempestades, inundações -o vocábulo preferido na época- estão registrados. Mas a enchente ocorrida em 1880 deixou marcas no Estado, talvez tanto quanto deixará a de 2008.
Entre os dias 27 e 28 de setembro de 1880, escreve o presidente da Província, João Rodrigues Chaves, "elevaram-se as águas do rio Itajaí e seus afluentes a um nível que excedeu todas as previsões e inundaram rapidamente e impetuosamente todo o grande vale [...], Blumenau, o núcleo colonial de Luiz Alves e o povoado de São Pedro do Gaspar, causando graves danos e muitas perdas de vidas. Estradas, pontes de grande valor, habitações, engenhos, todas as plantações, fundadas nestes férteis municípios e nos de Tijucas e Tubarão".
E o presidente continua: "Vou abrir a vossos olhos o quadro triste desta desgraça. Na Colônia de Itajaí pereceram nessa inundação três pessoas; em Blumenau, 11; em Luiz Alves, 25; em Tubarão, três, e, finalmente, em Tijucas, uma pessoa, em um total de 42 mortos". A solidariedade brasileira era bem-vinda. Chaves louva os atos de caridade e cita vários doadores, inclusive dom Pedro 2º, sua majestade imperial, e a imperatriz Thereza Christina.
Chegaram doações das províncias vizinhas do Paraná e Rio Grande do Sul. O povo é grandioso, solidário, mas não recebe soluções.
No século 20, as maiores cheias na região do Vale do Itajaí ocorreram em 1957, 1961, 1984 (a grande enchente que atingiu Blumenau) e a de 1987.
Em 24 de março de 1974, chuvas intensas de dois dias desceram a serra arrasando Tubarão, no sul de Santa Catarina.
O desmatamento, a ocupação desordenada das encostas, a omissão dos poderes públicos no controle demográfico de regiões de risco, associados à especulação imobiliária, lavouras e plantações desordenadas nos picos dos morros, agravam os eventos.
A comunicação instantânea pode transformar a enchente de 2008 em um triste e grandioso espetáculo que passará para a história como mais uma inundação. Ou será, a continuar a inércia da gestão pública, mais uma histórica enchente?

Ricardo é jornalista, escritor e historiador, sócio-efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e membro da Academia Desterrense de Letras.

Blumenau e a tragédia de 2008

Engraçado como que as pessoas ficam diferentes quando acontece esse tipo de coisa. Percebem que todo mundo é igual. Só por caminhar na rua, vê que os cidadãos já se olham entre si de uma forma diferente. De alguma forma, o acontecimento causou impacto na vida de todos. Ficamos sem água, luz, mercados, transporte, comunicação, remédios... Uma semana depois, ainda é difícil se concentrar no trabalho. Ainda só se fala nisso nas ruas. Todo mundo quer saber o que o outro perdeu e tem uma história para contar.

As pessoas estão solidárias. Às vezes, parece que sumiu um pouco as diferenças sociais. Ficamos mais iguais.

Eu também não sabia também que a TV é tão atrasada. Somente uma semana depois para começar aparecer as notícias na televisão. Só a TV local é claro, que noticiou e ajudou a defesa civil 24 hs por dia.

Sempre sabíamos que tínhamos uma cidade limpa e bonita, mas só agora demos conta do que isso significa. Não tem jeito, ver tudo destruído dá muita tristesa.
E como continuar morando nos morros? Antes, o único perigo eram as baixadas que davam enchente, agora também aprendemos que os morros podem desabar. Esqueça o que tu aprendeste na escola, morros fechados de mata atlãntica vieram abaixo! A mata não segura a terra quando cai toda essa água! Vem árvores, barro e rocha. Tudo abaixo!

Sendo voluntário na vila germânica, vi gente de tudo que é tipo. Gente que desperdiça água, outros querem tanto ajudar que acabam atrapalhando, há os que ajudam muito, há aqueles que se escondem pra não ajudar ( realmente não sei por quê vão lá) e há também aqueles oportunistas, mas isso é minoria. Ah, e como já é previsto, quando aparece uma câmera e um repórter, de repente todo mundo que estava cansado fica novinho em folha hehe.

Mulheres separam roupas e fazem kits de cesta básica enquanto homens carregam e descarregam caminhões. Todo mundo trabalhando igual loucos sem ganhar nada, para satisfazer as necessidades básicas dos desabrigados. Somado com as mega operações nos bairros, helicópteros no céu, imprensa, máquinas e exércitos na ruas, toque de recolher(pra evitar roubos). Me lembrou muito uma economia de guerra. Claro, tirando as armas.

Essa enchente foi diferente das outras. O pior não foi os alagamentos, e sim os deslizamentos de terra. Eu estava na pós graduação quando caiu a bomba d'água, foi muito rápido, em meia hora estava tudo alagado. A chuva destriu as pontes, estradas, escolas, gasodutos, estações de tratamento de água, pessoas perderam terrenos, independente de sua classe social. Desde a Rua Herman Rusher com suas casas voluptuosas, quanto outras tantas com suas construções simples. Não vou chutar números do prejuízo nem dizer a contagem atual de mortos, pois ainda não acabou. Mas para ter uma idéia, só uma empresa de cerâmica que está parada, deixa de faturar por dia 1 milhão e trezentos mil reais, pois não tem gás já que rompeu o gasoduto Brasil x Bolívia. O mesmo gasoduto que leva gás pro resto do sul.

E olha só, estou escrevendo isso uma semana depois, e ainda não parou de chover. Só resta rogarmos.
Mais uma vez nos pegamos pequenos e insignificantes mediante a fúria da natureza.



Fotos da tragédia