27 de janeiro de 2011

A matemática e a cidade

A matemática e a cidade:


Tradução livre de “Math and the city”-New York Times

"Um dos prazeres de se olhar o mundo através da matemática é notar padrões escondidos. Olha só uma bela lei de organização coletiva que liga estudos de cidades com estudos de Zoologia. Ela revela que a cidade de Manhattan e um camundongo são variações der um mesmo tema.

A matemática das cidades surgiu em 1949, quando George Zipf, um lingüista de Harvard, relatou uma regularidade impressionante na distribuição do tamanho das cidades. Ele percebeu que, se tabulasse as maiores cidades de um determinado país, classificando-as de acordo com suas populações, a maior cidade é sempre cerca de duas vezes maior que a segunda maior, e três vezes maior do que a terceira etc… Em outras palavras, a população de uma cidade é inversamente proporcional à sua posição na escala de tamanhos. Por que isso é verdade? Ninguém sabe.

A lei de Zipf tem tido sua validade comprovada durante os últimos 100anos. Dadas as condições sociais diferentes de país para país, os diferentes padrões de migração de um século para cá, e muitas outras variáveis, a generalidade da lei de Zipf é espantosa. Nenhum urbanista impôs isso, os cidadãos não conspiraram para que isso acontecesse. Alguma coisa está fazendo isso acontecer, mas não temos a menor idéia do que seja.

Muitos gente criativa -trabalhando em disciplinas que vão da economia à física-têm levado boas surras na tentativa de explicar a lei de Zipf. Paul Krugman, que também tentou, observou ironicamente que “a queixa usual sobre economia é que os nossos modelos são muito simplificados – oferecem uma visão excessivamente simples de uma realidade que é complexa e bagunçada. No caso da lei de Zipf, o inverso é que é verdade:temos modelos complexos e confusos, mas a realidade é surpreendentemente simples “.

Por volta de 2006, cientistas começaram a descobrir novas leis matemáticas sobre as cidades que são tão impressionantes quanto a de Zipf. Essas novas questões têm a ver com o seguinte: como o tamanho de uma cidade afeta coisas como a quantidade de infra-estrutura necessária para mantê-la funcionando?
Por exemplo, se uma cidade é 10 vezes mais populosa que outra, ela precisa de 10 vezes mais postos de gasolina? Não. Cidades maiores têm mais postos de gasolina (é claro), mas não na proporção de seu tamanho. O número de postos cresce apenas na proporção da potência 0,77 da população. A coisa crucial é que 0,77 é menor que 1. Isto implica que, quanto maior uma cidade é, menos postos de gasolina ela tem que ter por pessoa. Simplificando: as cidades maiores desfrutam de economias de escala.

Nesse sentido, quanto maior a cidade, mais “verde” ela tenderá a ser.
O mesmo padrão é válido para outras medidas de infra-estrutura.
Se você medir kilômetros de estrada, ou o comprimento de cabos elétricos, vê que tudo isso diminui também, por pessoa, à medida que aumenta o tamanho da cidade. E todos mostram um expoente entre 0,7 e 0,9.

Agora vem a parte esquisita. A mesma lei vale para os seres vivos. Ou seja, se você ,mentalmente, substituir cidades por organismos ,e tamanho de cidades por peso corporal, o modelo matemático continua o mesmo.

Por exemplo, suponha que você meça quantas calorias um camundongo queima por dia comparado a um elefante. Ambos são mamíferos, assim, ao nível celular ,é de se esperar que não devem ser muito diferentes. De fato, quando as células de 10 espécies diferentes de mamíferos são cultivadas fora de seus organismos hospedeiros (em um laboratório de cultura de tecidos) todos eles exibem a mesma taxa metabólica. É como se elas não soubessem de onde vêm. As células não têm memória genética de quão grande é o seu doador.

Agora, considere o elefante ou o rato como animais aglomerações de bilhões de células em funcionamento. Então, grama a grama, as células de um elefante consomem muito menos energia do que as de um rato. A lei do metabolismo, chamada Lei de Kleiber, afirma que as necessidades metabólicas de um mamífero crescem na proporção do seu peso corporal elevado à potência de 0,74.

Esta potência 0,74 é estranhamente próxima ao 0,77 da lei que rege postos de gasolina nas cidades. Coincidência? Talvez, mas provavelmente não. Existem razões teóricas para esperar uma potência perto de 3/4. Há argumentos mostrando que uma lei “3/4” é exatamente o que você esperaria se a seleção natural saísse a campo para desenvolver um sistema de transporte de energia e nutrientes, da forma mais eficiente e rápida possível, a todos os pontos de um corpo tridimensional, usando uma rede construída a partir de uma série de tubos ramificados – precisamente a arquitetura que observamos no sistema circulatório e nas vias aéreas do pulmão.Nada de muito diferente das estradas,cabos e tubulações que mantêm uma cidade viva.

Essas coincidências numéricas parecem estar nos dizendo algo profundo. Parece que a metáfora de Aristóteles- uma cidade como uma coisa viva- é mais do que meramente poesia. Pode haver leis profundas da organização coletiva aqui, leis que valem para agregados de pessoas e células.

A numerologia acima pareceria totalmente acidental se não tivéssemos visto as cidades e organismos através da lente da matemática. Extraindo detalhes envolvidos na alimentação de um rato ou de uma cidade, a matemática expõe uma unidade . Desta forma (e com desculpas a Picasso), a matemática é a mentira que nos faz perceber a verdade."

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