Compartilho a opinião.
A fábrica da violência – Artigo Jornal do Commercio – 10/12/2010
Cristovam Buarque é Professor e Senador pelo PDT-DF
O Brasil inventou o jeitinho e deslumbrou-se com ele. A cada problema mostramos nossa incrível capacidade de ajustarmos ao que funciona mal, depois de pequenas mudanças. Mesmo quando se tenta soluções radicais, elas são adaptadas e se tornam jeitinhos. Foi assim com a idéia da Bolsa Escola pela qual se pagaria às mães de famílias pobres para que seus filhos estudassem em escolas com a máxima qualidade. Ao mesmo tempo em que se pagaria às mães, se faria uma revolução nas escolas. Esta concepção transformadora foi ajustada para pagar com a Bolsa Família, independente da qualidade da escola e da freqüência das aulas. No lugar da solução, preferimos um jeitinho para que a família pudesse comer, mesmo pobre e independente de sair da pobreza. A última campanha presidencial mostra esta preferência pelo jeitinho. No lugar da solução para a pobreza, os candidatos discutiam o valor da Bolsa, a possibilidade de pagar um 13º valor por ano. Nenhum candidato se comprometeu com um prazo para fazer a Bolsa ficar desnecessária, por meio da superação da pobreza. Na luta entre solução e jeitinho, o segundo sempre é preferido
O mesmo está acontecendo com o problema da violência. Enfrentamos com o jeitinho das balas, das cadeias, dos helicópteros e tanques, porque se olha para a violência como um fato que surge naturalmente, sem identificar a sua causa primeira e sem enfrentá-la para resolver o problema.
Se analisarmos a origem da violência, vamos ver que a nossa sociedade nasceu da violência, dos que matavam índios, como se isso fosse civilização; dos que derrubavam árvores, como se isso fosse progresso; dos que escravizavam, como se isso fosse humano, introjetando um sentimento violento no sistema social.
Nas últimas décadas, a demografia foi violentada com a migração em massa do campo às cidades, forçada pela propriedade de latifúndios improdutivos e a ilusão de emprego industrial. Nas cidades, os adultos foram violentados pelo desemprego, os jovens pelas drogas, as crianças pela falta de escola, as mulheres pelo abandono, todos pela falta de atendimento médico e pela desigualdade entre os que vivem do lixo e dos que vivem no luxo.
A tomada dos morros das mãos de bandidos é uma condição imediata e necessária para dar segurança à sociedade, especialmente aos pobres que vivem ao lado do tráfico, roubando seus filhos. Mas não vai bastar, pois não passa de um jeitinho, sem se aproximar do enfrentamento das causas. Por isso, novas violências continuarão surgindo como reação à violência social generalizada, massacrante, embora camuflada.
A saída para a violência não é ocupar os morros com soldados, mas pacificar toda a sociedade. O caminho é uma revolução na educação.
Nestes últimos dias, enquanto diversos bandidos eram presos, diversas crianças nasciam nos morros e favelas do Rio. Os primeiros serão “adotados”, a um custo de dezenas de milhões de reais por ano, a fim de mantê-los longe da sociedade. Os outros, que acabam de nascer, nada receberão no começo da vida; depois, receberão menos que R$ 2 mil reais por ano para sua educação.
Com isto podemos até dar um jeitinho na violência imediata, mas sem destruir a fábrica da violência que há 500 anos caracteriza o Brasil..
Nenhum comentário:
Postar um comentário